As excludentes de ilicitude no âmbito da Polícia Judiciária

Texto de Airton Franco - delegado de Polícia Federal aposentado.

A Autoridade Policial tem a legitimidade de não autuar em flagrante-delito quem comete crime em legítima defesa?     

Pode a letra fria da lei substituir todos os fatores circunstanciais de uma situação concreta?

Estas indagações são deveras tormentosas.   

Imagine-se um cidadão que, na defesa de seu patrimônio e de seus familiares, troca tiros no âmbito de seu lar e fere mortalmente o incômodo assaltante armado.

Pois bem.     

Em consonância com a letra fria da lei, a Autoridade Policial, numa situação que tal, deve, a rigor, autuar em flagrante-delito aquele infortunado cidadão porque, de acordo com o Código de Processo Penal, somente o Juiz pode decidir sobre a liberdade provisória.  

É como se diz no linguajar popular: “Além da queda o coice”.        

Tanto é assim que só recentemente foi aprovada proposta substitutiva ao projeto de lei n. 1843/11 - da Câmara dos Deputados - pela qual a Autoridade Policial pode, em decisão circunstancialmente fundamentada, dispensar a autuação em flagrante de quem haja cometido crime em legitima defesa, estado de necessidade ou exercício regular de direito.        

É claro que a decisão final será da Autoridade Judiciária.   

Eis a lógica do ordenamento jurídico que desanuvia toda sorte de dúvida sobre a capacidade postulatória da Autoridade Policial que se fundamenta, também, no inarredável juízo de procedibilidade tal como a interpretação que se extrai dos §§ 2º e 3º, do artigo 5º, do CPP.        

Senão veja-se:        

“§ 2o  Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.”.  

“§ 3o  Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.”.        

Mais.

“Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do
acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005)”.   

“§ 1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.”.       

Ressalta, portanto, a toda evidência, que o primeiro juízo da subsunção dos fatos à lei é exercido pela Autoridade Policial que assume, assim, perante a Sociedade, tal responsabilidade que lhe é histórica e tangível, quer na perspectiva empírica, quer na perspectiva da própria lei.         

Quem de modo diverso interpreta essa evidência suprime da Constituição Federal a razão de ser - como ali se consignou – das atribuições da Polícia Judiciária.

Não por outro motivo, a ordem constitucional contemplou, no artigo inciso VII, do artigo 129 - como função institucional do Ministério Público - o controle externo da atividade policial que não significa, obviamente, suprimir nem tampouco substituir as atribuições de Polícia judiciária, mas, sim, tão-só, controlá-las.

Resta inevitável concluir, destarte, como bem demonstra o jurista Armando da Costa, que a Autoridade Policial exerce, induvidosamente, verdadeira judicatura material, de modo que, quando labora eventual equívoco sobre o tipo penal - por efeito das circunstâncias fáticas que lhe são apresentadas - e decida, assim, se determinado conduzido deva ou não ser autuado em flagrante-delito, não responde, por isto - à míngua de conduta dolosa ou culposa – nos âmbitos penal ou administrativo.          

Deste modo, como resposta mais incisiva à indagação inicial, muitos Delegados de Polícia têm defendido que diante de autêntico silogismo, segundo o qual a primeira premissa dá conta de que a Autoridade Policial somente pode lavrar auto de prisão em flagrante-delito quando da ocorrência de típica infração penal, e a segunda premissa que denota a compreensão da tipicidade e da antijuridicidade como inevitável juízo de convencimento acerca da própria ocorrência delituosa, resta concluir, assim, como perfeitamente razoável, pela legitimidade da Autoridade Policial - como o será, de lege ferenda - no sentido de não autuar em flagrante-delito quem comete crime em legítima defesa, por exemplo.      

Tenho a compreensão, em mais, de que o Delegado de Polícia exerce um poder dever - que é potestativo e não facultativo – de indiciar quem deva ser indiciado e de autuar em flagrante delito quem deva ser autuado.  

Adoto, por conseguinte, o conselho que recebi de um Delegado amigo no sentido de que - até para resguardar o próprio cargo - faça-se um auto circunstanciado com a oitiva de todos, inclusive do cidadão envolvido, liberando-o a seguir, mediante imediata comunicação ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, numa demonstração de induvidosa transparência e boa fé.

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