Discricionariedade Funcional das Forças Policiais

Texto extraído do livro "A Polícia no Estado de Direito" (Antônio Francisco Souza - Ed. Saraiva)

Os conceitos de discricionariedade e de oportunidade descrevem a mesma realidade jurídica. O princípio da oportunidade não é específico do direito policial, mas em geral de toda a atuação da Administração Pública. Quando aplicado ao direito policial, este princípio corresponde à discricionariedade policial, ou seja, à atuação segundo a discricionariedade funcional em matéria policial.

A tese tradicional portuguesa reconhece a discricionariedade policial. Tradicionalmente, prevaleceu entre nós (e não só) a ideia de que o exercício da função policial exige, por natureza, uma "certa margem de liberdade de atuação", "margem de liberdade" que, no fundo, se converte num poder discricionário. É o que resulta da seguinte passagem de MARCELLO CAETANO: "Nunca foi possível, porém, cingir completamente a polícia na legalidade, reduzi-la a mera atividade executora da lei nos precisos termos por esta regulados. Embora no Direito moderno os poderes de polícia, como todas as formas de competência, tenham de ser conferidos por lei, o fato de as autoridades que os exercem estarem permanentemente em face das manifestações multímodas das condutas individuais e da vida social em tantos casos imprevisíveis senão na forma pelo menos quanto ao lugar, tempo e modo de produção, força a deixar-lhes uma certa margem de liberdade de atuação". E o autor esclarece o que entende por "certa margem de liberdade de atuação", ao prosseguir: "Sem essa discricionariedade perder-se-ia muitas vezes a oportunidade de intervir e não se alcançaria a utilidade de intervenção". E conclui: "A polícia ficou, pois, sempre a ser um setor só parcialmente controlado pela lei".

Este entendimento continua a ser sufragado por uma significativa parte da doutrina, não obstante se apresentar, quanto a nós, de impossível sustentação face à Constituição atual. Importa, pois, indagar até que ponto a atividade policial é uma atividade discricionária, à luz das exigências do moderno Estado de direito democrático.

À luz da Constituição, não se contesta que, em certos casos, a autoridade policial (e a Administração Pública em geral) não esteja obrigada a agir sempre que se verifiquem os pressupostos materiais previstos numa norma jurídica. No caso de atribuição pela lei de um poder discricionário à autoridade administrativa, a decisão sobre o "se", o "quando" e o "como" da intervenção (ou sobre algum destes aspectos) está na sua discricionariedade funcional. A expressão discricionariedade funcional exclui à partida todo o tipo de arbítrio, indicando apenas que o poder (discricionário) deve (tem de) ser exercido segundo os deveres próprios da função e obviamente no respeito pelas normas e princípios vigentes, nomeadamente o princípio da persecução do bem comum. Trata-se, pois, de uma possibilidade limitada de escolha. Não deve surpreender o fato de a autoridade policial poder, teoricamente, dispor, no Estado de direito, de discricionariedade funcional. Efetivamente, o poder discricionário não só se integra perfeitamente na ideia de Estado de direito (pertence ao passado o entendimento de que se tratava de um poder estranho ao Estado de direito - um resquício do Estado de polícia), como é mesmo indispensável à adequada persecução da função administrativa em geral e de prevenção do perigo em especial. No Estado de direito, a discricionariedade policial é um meio de otimização concreta da função de prevenção do perigo e, assim, de realização do fim da lei, que é a realização da justiça no caso concreto. A discricionariedade nunca poderá ser instrumento de arbítrio e de abuso de poder.

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